quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Projeto completo - Terra Una


Prêmio TAC Terra UNA - Residência Artística


Projeto: JARDINS PORTÁTEIS (Performance Instalação)
Autora: Cristina Flores

(…as Flores não passam de órgãos sexuais, vaginas multicoloridas a enfeitar a superfície do mundo, entregues à lubricidade dos insetos.A beleza das Flores é triste porque elas são frágeis e destinadas a morte, como qualquer coisa na terra, claro, mas elas muito especialmente, e, como os animais, seu cadáver não passa de uma grotesca parodia de seu ser vital, e seu cadáver, como o dos animais, fede… Michel Houellebecq)



Cristina Flores começou a pesquisar em 2010 novas formas de interação entre texto, música, performance e estrutura dramática a partir da criação da performance “Tudo é Desse Mundo” fundando o coletivo Barbieeasdores (junto com Gabriel Fomm, Pedro Strasser, Gabriel Alves, Dudu Pires, Ric Paris, João Marcelo Iglesias) que desenvolve uma peculiar forma de show/teatro que proporciona uma experiência libertadora tanto para os artistas quanto para a platéia, quebrando com qualquer formalidade pré-estabelecida dessa relação.
 Em 2012 Cristina deu* prosseguimento a essa pesquisa de forma autoral e quase confessional,  criando seu próprio texto em forma de prosa poética como base para a interação com outras linguagens, desenvolvendo essas performances em eventos de poesia do Rio de Janeiro, nos quais buscava a ampliação das possibilidades de leitura da cena/poesia, criando paisagens imaginárias que nascem da interação do texto poético com a performance, sons, músicas, ambiências e imagens. Como conseqüência  dessa pesquisa nasce a idéia de “Jardins Portáteis”, um ambiente vivo que proporciona ao público uma experiência sensorial completa, com texturas, cheiros e sons - e até mesmo de paladar - redimensionando as palavras e tornando sua interpretação mais livre para o público a partir desta experiência sensorial.
Como Lygia Clark com seus “Objetos Sensoriais”, a intenção é a de desvincular o lugar do espectador dentro da instituição de arte e aproximá-lo de um estado onde o mundo passa a ser constante transformação.


“Se a pessoa, depois de fazer essa série de coisas que eu dou, se ela consegue viver de uma maneira mais livre, usar o corpo de uma maneira mais sensual, se expressar melhor, amar melhor, comer melhor, isso no fundo me interessa muito mais como resultado do que a própria coisa em si que eu proponho a vocês” (Lygia Clark).


 

Instalação







Jardins Portáteis é um encontro de uma variedade de plantas, flores (com seus nomes próprios em placas) dispostas em planos variáveis que possibilitam a criação de diversas paisagens. Nesse ambiente natural transplantado para o espaço duro da galeria, os cheiros, cores e texturas do jardim (do que vive e do que morre), são combinados com o som das palavras, que são sussurradas pelas plantas através de caixas de som com sistemas independentes instaladas nos vasos ou no corpo das plantas, flores e de trilhas musicais e ambiências sonoras. Gramados/cama  cortados em tiras do tamanho de um caixão para adultos, convidam o experimentador da obra a deitar-se no jardim e fazer parte da paisagem¡ o objetivo e levar o experimentador a aproximar-se da paisagem, percebê-la nos detalhes - que podem ser destacados por molduras ou luz, criando uma sensação de lente de aumento – e ouvir o que o jardim está lhe dizendo.





“As coisas viram palavras
como impedir que as coisas virem palavras?
copa de 3 arvores são palavras que tiram meu olho dos verdes mentira agora olho 1 verde volto escrevo isso e olho outro verde e se não pudesse colecionar haveria copa mas eu olharia?
ver pra escrever e ao ler ver
um tipo de cegueira
ENXERGAR no ar que respiro nesses ventinhos do meu nariz na ida e na volta que me despertem, amém ...”










Sobre o texto



A poesia ligada a esse projeto traz, a partir da paisagem e de seus movimentos cotidianos, as memórias reais ou imaginárias da autora e também a memória coletiva atravessada por fatos ou percepções comuns deslocados de seus ambientes e tempos naturais para um novo paradigma onde se integram à experiência proposta pela artista. Escrito para ser dito pela própria autora, o texto é criado para que a interpretação complete a informação e a criação dessas imagens e para que o ambiente do jardim, com seus tempos contemplativos, absorva essa paisagem imaginária.



“Sozinha na muretinha
Urca
dois péscadôr ali
contando os baldes
conversas  de gente
passando
algumas palavras
aumentam
de volume
perto
de mim
porque sim
e não porque escolhe ênfase qualquer nada significa
nada nenhum senso estético
os pesca dor jogam linha de novo
reflexo de segurar  a minha
mão na glote sinto fisgadinha que nem peixe
quando adolescente  eu tinha
uma fantasia que eu dei pra mim
(eu acho essa frase tão sexy, vcs não acham? uma fantasia que eu dei
pra mim)
de morte
meu medo de fim
 era o degolamento   de bicicleta por pipa com cerol
quando jogam anzol do meu lado na urca eu POSSO ser fisgada pelo pescoço um rasguinho
e adulta
esvaída sangue ar chuá devagarinho...”

Proposta de Residência



A residência visa:
-     Encontrar os espécimes de plantas, flores mais adequados para a criação da instalação, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista logístico, de transporte e manutenção dos espécimes em ambiente fechado.
-     Descobrir a partir de novas paisagens, memórias e percepções que ampliem o universo poético da autora
-     Pesquisar idéias que expandam as possibilidades poéticas e estéticas desse jardim.
-     Na interação com a comunidade local somar experiências e pesquisar as possibilidades de interação e a reação do público à obra


“em Copacabana,
preste atenção aos ruídos na rua dela:
folhas flying  firam fissuras flanantes no chão das folhas
vento arrasta folhas pra trás de policia fardado
que atravessa velhinha pro outro lado da rua dela
na rua dela a morte é o que não existe
ninguém nunca foi atropelado lá
nenhum assassinato em casa
nenhum roubo seguido de morte
nenhuma batida de carro
aquelas árvores nunca tinham sido violadas
nem as empregadas domésticas
nenhum estupro
nem pedofilia
um mundo justo
anterior ao pecado
só existia velhinha cruel
das muito más
que manipulam e chantageiam e maltratam e ridicularizam e fofocam e inventam e aumentam e distorcem e sacaneiam o máximo de pobre e preto e neto e neta e nora e genro e filho e filha e são atravessadas
por policia fardado pro outro lado da rua dela
Infelizmente
você lembra
na rua dela não existem atropelamentos.”




Performance




A autora/performer leva para a cena sua prosa poética, que passa de momentos confessionais a crônicas do cotidiano, valendo-se dos recursos lúdicos do Jardins Portáteis, conduzindo o público pelas paisagens imaginárias que brotam das paisagens reais e suas personagens, memórias e projeções. De dentro da cena a performer opera o áudio das flores que contracenam com ela, criando um dialogo da autora com ela mesma através de suas múltiplas vozes. Um coro de flores e Flores.




“ Em troca de um pirulito já levaram uns dentes meus, meus cabelos, sangue.
Já troquei uma juquinha por uma injeção. Eu via muita graça num programa de TV, eu era pequena e uma pessoa ficava com o ouvido tampado e o apresentador falava vc troca uma coxinha de galinha por um carro de formula 1? e a pessoa não, o apresentador vc prefere a coxinha? o surdo sim e o publico desesperado e o surdo excitadissimo sem saber se tava arrasando e tendendo a achar que tava arrasando e a apresentadora e vc troca a coxinha por um mês em Macapá? e a surda sim e a apresentadora e um mês no macapa por um carro de formula 1? e a surda não.. Deus se existisse seria esse apresentador de televisão. Chegou num ponto de medo de Deus existir e ser eu a ter que dar uma surra nele.”







O Jardim

“Desde que dei nome as minhas plantas elas passaram a me interessar mais, porque eu gosto de gente.”

Pequena paisagem viva
– Vasos de flores e plantas (com nomes próprios)
- Araras de diferentes formatos para dependurar os vasos jardins.
- Tapete natural de grama a metro. recortado em camas tamanho de um caixão de adulto.
- Texto. Pré-gravado em dispositivos colocados nas plantas, flores: Inge, Gal, Rosa Baobá, Marrom, Coralina, Pine P e outras que desejo vir a conhecer em Terra Una.

“Exposição Dondina:
MUda de calçada é...
Uma ordem?
 MUda de calçada é...
Moça silenciosa sentada no meio-fio?
MUda de calçada é...
Uma plantinha nova no canteiro?

chovia não ainda não
mas vai chover já já
tá escuro e pesado
e começa a história
na exposição
ontem a gente achou que aquelas mesas mortuárias eram de louça leves
eram brancas e brilhosas como louça de banheiro
mas a moça explica na visita guiada
-que eram de cobre esmaltado
-pesavam toneladas
-tiveram de chamar um engenheiro pra analisar a situação estrutural do andar
para recebê-las e eram duas!
perguntou também
se agora que a gente sabia que eram tão pesadas se a gente via diferente as mesas mortuárias
se agora que a gente sabia que eram tão pesadas se a gente
via diferente as mesas mortuárias
era um jardim ok? Com árvores do sonho
que eu subo correndo por elas e
estão me alcançando e eu

me solto
do último galho batendo os braços eu consigo escapar voando pro alto
árvores frondosas, velhas, muito bonitas.
(pesquisar tipos de árvores pra achar essa minha)”


* Em 2012 Cristina deu... eu acho essa frase tão sexy, vcs não acham? Em 2012 Cristina deu.

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